Um sítio com história e alguns vestígios de tradição, no entanto está completamente descaracterizado. Há tascas antigas que estão muito melhor preservadas. Aqui é tudo inox e cadeiras rascas dos anos 80
Há uns meses ouvi falar de uma petição para travar o desaparecimento desta tasca de 1913. A especulação imobiliária fez a certeza de que esta casa vai mesmo desaparecer depois de Fevereiro 2020. Esta é uma tasca genuína, com gente com sotaque do Norte, alguns a trabalhar há mais de 3 décadas. A comida é caseira, o vinho da casa é da zona do Bombarral (pelo menos no dia em que juntei amigas para o nosso jantar de Natal), os empregados contam histórias, as sobremesas são da casa (adorei o pudim) e a ginginha é doce. Ficámos com a nostalgia das casas feitas de gente que contam parte da história da cidade de Lisboa.
Têm até Fevereiro 2020 para vir até à Casa Cid, que entre provérbios e comida, partilha fotos da família que fez nascer a casa.
O que é que faz de um restaurante um marco na gastronomia na cidade? São os anos de existência? As pessoas que já lá passaram (das mais "importantes" às mais "comuns")? É a localização ou o espaço em si? Ou será um prato emblemático?... Na verdade, é um pouco de tudo isto, e é também muito mais.
E isto é o que há de bom naquelas tascas mais típicas em Lisboa, é o fazerem parte das nossas histórias... e nós fazermos parte da história delas. Como acontece, por exemplo, com a Casa Cid, no Cais do Sodré.
Nunca tinha ido à Casa Cid, mas as recentes notícias chamaram-nos a atenção: o pequeno restaurante, com mais de 100 anos de história, vai fechar. Porque o prédio foi comprado por um grupo hoteleiro (como está a acontecer cada vez mais frequentemente em Lisboa) e a Câmara não considera a Casa Cid como um espaço histórico. A justificação é o facto de não manterem os azulejos originais do espaço... pois. Estamos a falar de uma tasca emblemática desta zona ribeirinha, aberta em 1913, pouso habitual da malta do Mercado Da Ribeira em tempos mais remotos, e agora espaço para jantares de grupos, baratos e com copos.
É o espaco, cheio de molduras com fotos e outros quadros na parede, o longo balcão que separa a sala da cozinha, as mesas apertadas; é o serviço, a correr, atabalhoado, mas com aquela simpatia genuína de quem gosta daquilo que faz; são os preços, baixos para turistas mas também baixos para nós. Tudo isto mostra que estamos numa tasca daquelas com "T" grande, onde não precisamos de nos preocupar com o ver e ser vistos (o que começa a ser raro, especialmente nesta zona da cidade).
E, claro, é a comida. Portuguesa, simples, tradicional, sem grandes mariquices nem invenções. As Iscas à Portuguesa que vêm com batata cozida que depois ainda leva um apertão no molho da carne; os Chocos à Lagareiro, gordos; os Secretos de Porco, grelhados no ponto certo, com boa batata frita caseira; ou o Bitoque, surpreendentemente alto e suculento, estupidamente bom! São estes e muitos mais pratos simples mas cozinhados por quem sabe, para quem gosta.
É tudo isto e muito mais, que transforma um simples jantar num jantar especial. Um jantar do qual não nos vamos esquecer tão cedo, não por ter sido único e surpreendente, mas porque nos fez sentir parte de uma história. Com mais de 100 anos.
E voltamos ao inicio. A história de um restaurante vive da história das pessoas que por lá passam, que lá voltam. Não tem a ver com manter ou não os azulejos de origem, tem a ver com as histórias, com as vivências, com o que todos nós lá vivemos. E quando se perde isso, quando se perdem espaços destes, perde-se parte do nosso património, perde-se parte se nós.
Uma petição dificilmente servirá de alguma coisa quando do outro lado estão interesses comerciais fortes. Mas esta petição para não encerrar a Casa Cid serve pelo menos para chamar a atenção para o que gentrificação (e o turismo e as modas parvas em geral) está a fazer pelas tascas em Lisboa.
Depois da Casa Cid... qual será a próxima? Será a do teu bairro, aquela que te toca no coração?
#adorotascas
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