Doca Peixe é um restaurante que fica em cima do Rio Tejo e em baixo da Ponte 25 de Abril.
Podemos ver a fauna local, com taínhas a nadar à nossa beira num ritmo hipnotizante fornecido pelo assobiar sincopado da ponte, que fala connosco sempre naquele tom monocórdico.
O restaurante fica num armazém das "Docas" (o número 14), bem decorado, naquele tema náutico de marisqueira a fugir para o rústico piscatório. No meio da sala principal há uma ilha de gelo a com a oferta de peixe e marisco do dia (vendidas ao quilo).
Tem empregados fardados com um avental à laia de pescadores de traineira. Mas não, não tem o típico aquário com lagostas e sapateiras a borbulhar.
Minto. O Doca Peixe tem um aquário cá fora mas para seres humanos. É agradavel e climatizado. Nunca pensei que me sentisse tão bem dentro de um e ainda por cima com vista mar. Senti-me um crustáceo bem instalado!
O restaurante tem muita variedade na sua carta, fresquissima matéria-prima e aplica bem a abordagem à da cozinha tradicional portuguesa, na sua vertente mais "peixívora".
É é nessa vertente que me vou debruçar a partir daqui. Já que o restaurante tem um bom standard de peixe, faço dele um manual de sobrevivência para os amantes de peixe que querem saber se estão a comer gato ou lebre e, comendo ambos, qual a melhor forma de os distinguir:
1. NEM TUDO O QUE LUZ É OURO.
(também há o Peixibeque...)
Neste campo somos obrigados a acreditar no empregado de mesa como se fosse um pastor de uma seita cósmica em que aconteça acontecer é sempre para o bem universal. Neste caso a derradeira pergunta: "Olhe lá, isto é cherne?! Não tinha ideia que era tão mole... " ou "Este bacalhau está mal demolhado, amigo. Está muito fibroso..."
E é nesta fase que a pescadinha (ou o verdinho, como vão perceber mais abaixo) torce o rabo. Porque sabemos que anda por aí muito peixe substituito, mais barato, vendido como postas da melhor sereia, mas só de aspecto. E o empregado vai mentir descaradamente por desconhecimento ou por instruções da gerência. É como é...
Por isso, faço uma lista de" chica-espertices" que se praticam e que podem servir para questionarem os empregados de mesa caso não consigam descobrir as diferenças (embora esteja convencido que com muita ida "ao mar" chegam lá... Não chegando, façam bluff!)
GATO por LEBRE:
Perca por Cherne (nos grelhados, arrozes)
Pampo por Garoupa (idem)
Pampo por Perca do Nilo (idem)
Lixa por Cação (sopas e ensopados)
Paloco (ou Escamudo) por Bacalhau (à Brás, Natas, à Zé do Pipo, Espiritual...)
Panga/Peixe Gato por Pescada (filetes)
Pota por Lula (ensopados, fritos)
Pota por Choco (idem)
Pota por Polvo (arrozes)
Tamboril da china por Tamboril legítimo (idem)
Albacora por Atum (grelhado, à posta)
Truta salmonada por Salmão (idem)
Verdinho por Pescadinha (fritos, rabo na boca)
E na generalidade, peixes de aquacultura por peixes de mar.
Há, no mar, infinitamente mais variedade de "carne" que em terra. Por isso maior a probabilidade de logro. Estejam atentos e conheçam melhor estas espécies , o seu sabor , textura e aspecto para poderem estar prevenidos. Perguntem à vossa peixeira ou ao tio Google que eles sabem.
2. FRESCO DO MAR OU FRESCO DA ARCA?
(ou a frescura de uma resposta...)
"Fachavôr, o peixe é fresco ou congelado?"
O que estão à espera de ouvir depois desta pergunta? Que está a saltar no prato, claro!
Especialmente se forem arrozes caldosos, ensopados, malandrinhos, caldeiradas, cataplanas, sopas... onde é mais difícil de perceber (a não ser que o empregado de mesa seja vosso padrinho, vosso Pai ou Jesus Cristo que nunca mente nos nossos corações).
Assim, vamos lá ver como se consegue tamanha proeza, a de distinguir o Mar, da Arca. E aproveito para escavacar alguns mitos.
O primeiro mito a escavacar é que o peixe fresco é sempre melhor que o congelado. Nem sempre. Há peixe ultracongelado (sempre em alto mar) melhor do que muito peixe fresco do mercado. E se for descongelado correctamente, e não perder o gel que existe agarrado às cartilagens do bixo (e que desaparece com má congelação /descongelação) é muito semelhante a comê-lo como se da água tivesse saido nesse momento.
Vejam a ultracongelação como aquele sono criogénico em que o Hans Solo foi metido e ficou, tal qual o peixe, fundido num bloco com as pontas dos dedos de fora. Neste caso o peixe não fica com as barbatanas de fora mas ambos fica tesos que nem um carapau no momento imediato em que são mergulhados no processo. E se pensarem que depois de descongelado, o Hans (não o peixe) começou logo aos pinotes, a disparar raios lazer em todas as direcções, imaginam como fica o peixe após essa ultra descongelação. Com toda essa vivacidade e frescura, só que em morto...
A história é diferente com o peixe congelado na arca lá do restaurante e depois descongelado na bancada. Esse, depois de cozinhado tem tendência a ficar esponjoso, com uma secura e fibrosidade no final de boca. Até a cor do bixo pode mostrar-se mais baça e escura caso consigam vê-lo sem o caldo do arroz ou o molho da caldeirada.
O peixe ainda menos fresco ou recongelado e redescongelado pode ter ainda um cheiro e sabor a fénico (ácido fénico produzido pelo peixe logo após a sua morte tornando-se mais intenso após algumas horas valentes ou dias sem estar nas condições ideais de conservação). Pode também deslaçar ao ser cortado em pequenos pedaços no prato, sem mostrar aquela firmeza típica do peixe fresco.
E assim acabo esperando ter ajudado para que possam comer mais e melhor peixe.
E caso não tenham paciência para memorizar as armadilhas que mencionei, vão à Doca Peixe almoçar ou jantar e falem sobre isso com o Sr. Luís Farinha que percebe do assunto.
Depois comam o peixe do dia que ele lá tem.
Mais fresco só as Taínhas que por ali nadam ao pé, na marina.
Mas não as recomendo nem à minha gata...
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