Diz-se dos italianos que são tão hospitaleiros como os suíços são apaixonados. Sem experiência no terreno, Manuel F. Caldeira foi ao Il Matriciano, o mais recente “vero italiano” de Lisboa e sentiu-se, se é que isso é possível, de regresso a casa.
A vizinhança abona pouco a favor deste piccolo (aberto há pouco mais de dez meses) da restauração italiana. Paredes meias com a Assembleia da República, berço de poucos consensos nos dias que correm, há uma coisa neste Il Matriciano na qual, tanto à direita como à esquerda, todos estarão de acordo - há poucos sítios em Lisboa tão acolhedores. À entrada somos recebidos com um sorriso (genuíno), por um italiano muitíssimo de bem com a vida, que nos dirige até à nossa mesa, num espaço que é um misto de casa da avó (se a nossa avó fosse decoradora de interiores chic blasé), com bistrô perdido no meio dos Alpes.
Depois da inesperada recepção, somos agora atendidos por um outro italiano, igualmente (se não mais) sorridente e atencioso, que nos traz um pequeno prato de enchidos italianos e patê de azeitona, oferta da casa. Não só nos recebem com um sorriso, como ainda ousam ofertar-nos iguarias. Ah, patifes. Antes de prosseguirmos, há que abrir um pequeno parênteses - um italiano e um vero italiano são duas coisas completamente diferentes. Não esperem encontrar no Il Matriciano lasanha ou pizza. Desconfio, aliás, que o mar de sorrisos com que fomos brindados rapidamente se dissiparia se cometêssemos a ousadia de pedir um (sacrilégio!) esparguete à bolonhesa. Fechemos o parênteses, e abramos o apetite.
A primeira coisa a aterrar na mesa, vinda directamente de Itália (como a maioria da matéria prima do Il Matriciano) foi uma deliciosa burrata com tomate cherry, pão caseiro e filetes de anchova, numa cama de rúcula. A burrata, absurdamente cremosa, a desfazer-se por cima da verdura, com as minúsculas anchovas a conferir ao conjunto a dose certa de sal. Belissimo. Ainda no capítulo antipasti, não houve como escapar a uma bruschetta, aqui barrada por um cremoso queijo stracchino, encimado por delicadas fatias de pancetta. Mais uma vez, a qualidade dos ingredientes, e a simplicidade na confecção (próxima do zero, como se quer) a fazer a diferença.
Nos pratos, divididos em risottos, primo piatto e secondi piatti, fomos guiados pelas sugestões da insistentemente cortês empregada que agora nos atendia. Por esta altura, confesso, começo a sentir-me contagiado por tanta simpatia, e ensaio meia dúzia de sorrisos. Pode ter sido osmose, ou pode ter sido do vinho, também - um tinto Casal Thaulero Miravigna, da região de Abruzzo, no centro de Itália. Aliás, a carta de vinhos esforça-se por ter parte igual de referências italianas e portuguesas, mais uma novidade refrescante. Não com os copos, mas de volta aos pratos, provou-se um competente risotto de funghi porcini (arroz arboreo de estirpe superior), cozinhado na perfeição, uns ravioli de ricotta e espinafres, provavelmente o prato vencedor (massa fresca, recheio de um equilíbrio magistral, tudo coberto por um delicado molho de tomate), uma cotoletta alla milanese, um panado típico de Milão que era, enfim, um panado e, pasme-se, uma carbonara. “Mais depressa se apanha um crítico armado ao pingarelho do que um deputado do PAN no Café de S. Bento”, estará agora o provavelmente picuinhas leitor a pensar. Bem sei que no início deste texto versei sobre a dicotomia italiano vs vero italiano, tendo este Il Matriciano caído no último saco. Mas, comichoso leitor, uma carbonara é muito mais do que a mixórdia com natas que andámos a deglutir, anos a fio, nos jantares de fim de curso. É (ou deverá ser) um spaguetti feito de massa fresca, grosso na espessura, al dente na cozedura, e envolto numa untuosa mistura de gema de ovo, queijo pecorino, bacon e pimenta preta. E esta, meus caros (e esmiuçadores) leitores, era deliciosa - e de verdade.
Uma pausa para abrir alas às sobremesas, onde aproveito para vos poupar ao calvário que foi a continuação da simpatia do serviço, que se estendeu pelo almoço fora, e que nunca deixou de nos fazer sentir em casa, um pormenor (pormaior?) tão raro, e cada vez mais descurado numa Lisboa a braços com um turismo voraz. Foi, com o apetite reaberto, que se recebeu um tiramisú bom(zito), uma pana cotta mnhé e um salame de chocolate, com avelã e nozes, a redimir o amargo de boca da mediania dos doces anteriores (recordo que têm a Nanarella ali a um minuto a pé…).
Para uma próxima, fica a promessa de uma ida ao jantar, talvez mais adequado ao intimismo do ambiente, e uma visita à esplanada, felizmente resguardada da vista de outras casas de má fama ali tão perto.
Nota: texto originalmente publicado na Time Out Lisboa.
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