Casa visitada no âmbito do Projecto Endògenos, 9º edição dedicada ao carolo de milho.
Espaço emblemático do antigo circuito das casas de fado, a Adega do Machado soube renovar-se, tanto na arquitectura como na oferta gastronómica que hoje se apresenta cuidada, contemporânea e com ideias próprias. Continua a ser uma casa de fado, orientada para quem visita a capital e o quer descobrir - e disso tivemos um bom exemplo no final da refeição - mas olha para o futuro com a responsabilidade de quem entende que, sem qualidade e contemporaneidade na oferta, aquele será de passos curtos e de senilidade acelerada.
Reuniu-se assim, neste jantar, a vontade dos promotores - divulgar como forma de ajudar a recuperar a utilização de produtos e matérias-primas de uso tradicional - e a dos anfitriões - divulgar a boa oferta da casa, demonstrando-o a partir da construção de um menu original, trabalhado a partir da matéria proposta: o Carolo de milho.
Farinha de milho moída grosseiramente, o carolo era tradicionalmente adicionado a carnes gordas, tripas ou mesmo couratos sendo, pelo pouco custo, apelidado de "arroz dos pobres". Já a receita oficial da oficial Confraria do Carolo e das Papas de Milho - com sede em Canas de Santa Maria, Tondela - preconiza a sua confecção com carnes em vinha d'alhos, "abafando-os" em morcela de sangue a tradição local.
Assumindo-se a cozinha do restaurante como de autor e, face às origens do seu Chefe, Alexis Gregório, de confluência entre as raízes portuguesas e as várias tradições brasileiras, não pode o menu deixar de reflectir isso mesmo, tendo sido criado a partir de uma ideia base: associar, em cada prato, referências ao receituário luso-brasileiro e ao produto cultural de que a Adega é veículo - o fado. Os seis pratos apresentados, formaram uma boa imagem de um dos caminhos possíveis para este interligar - que me parece óbvio - entre cozinhas de Portugal e Brasil, referências gastronómicas regionais e elementos culturais locais.
Foram assim degustados:
- AMUSE BOUCHE
constituído por massa de sêmola de milho e sementes, recheio de cogumelos sobre massa de milho frita,
- "OLHA O PASSARINHO
": Consommé de codorniz, poejos e carolo de milho
- "MILHO MALHOA
": Souffle com carolo de milho, queijo de Nisa, chouriço de Sobral de Montagraço
- "FADO DOS TRÓPICOS
": Carabineiro do Algarve, acidez e amisado do funcho e do aipo, farofa com massa levedada do carolo
- "FALSA BAIANA
": Robalo da costa portuguesa (harmonia da terra e do mar), falso Xerém com Ameijôas desidratadas, Funcho e Laranja, Puré de Caldeirada
- "DONDE VENS, AMÁLIA?
": Cachaço de porco preto de Castro Verde (12:00/80ºC em vácuo), milho frito (Madeira), legumes glaceados,
pipoca doce com mel e aroma de especiarias
- "A DOCE MARIA DE LOURDES : Ligação de doces e ácidos, milho e frutos vermelhos a evocar os campos e os bosques onde crescem", Biscuit, crumble, gelado de milho artesanal, puré de frutos silvestres (para cortar o doce)
Nota final para o cuidado e excelente trabalho de harmonização de vinhos, oriundos exclusivamente da produção da Real Companhia Velha. Parabéns ao Pedro Silva Reis pelos vinhos apresentados e pelo saber - e amor - subjacente às escolhas e emparelhamentos.
E que bela voz tem a Yola Diniz!
An error has occurred! Please try again in a few minutes