Gáveas há muitas. Ora, cantinhos a ela dedicados porventura não. Numa esquina perdida no Bairro Alto deparei-me com este espaço manifestamente simples e acolhedor. Sem me permitir consumir pelo pecado da gula, e não me dispondo a gastar quantias exorbitadas (e turísticas) do meu parco património, entrei cautelosamente no espaço que designei como ideal para esmagar minha fome. Numa mesa ao fundo da sala única, senti-me agradado com o conforto simplístico do ambiente gerado por uma esbelta luz amarela, mas ligeiramente incomodado com a presença excessivamente próxima da porta que dividia esta divisão da cozinha. O caro leitor saberá contudo, que os dois dedos iniciais de uma sólida conversa esbatem este tipo de preocupações, que são, no seu limite, somente iniciais, não se estendendo ao resto do manjar, surgindo apenas pontualmente quando um garçon se apresenta mais apressado.
Olhando o menú encontrei pratos expectáveis e preços acessíveis. Determinei que iria dar uso aos meus talheres para cortar a maminha, acompanhada solenemente por uma cerveja Sagres de 33cl servida num bonito copo da mesma marca. Est'última subtraiu-me 2 euros de meu bolso, sem demasiadas comoções. Naquele breve intervalo que percorreu a devolução do menu para as mãos de quem me atendia até ao momento em que o subtil prato se prostrou diante de mim, olhei o espaço com mais atenção. Um turista aqui e ali, como seria de esperar, mas também diversos locais. No seio do Bairro Alto é compreensivelmente natural que um habitante da cidade de Lisboa se sinta propenso a ser subsumido a uma tabela de preços esboçada para habitantes de, por exemplo, Regensburg. A presença de locais vem exactamente demonstrar a qualidade-preço favorável deste belo menú desenhado por pessoas honestas para pessoas igualmente honestas. O veículo desta relação? Os preços honestos.
Assim soube que assim que aquela maminha, batatas fritas e salada me sobrevoaram o antebraço direito, seria feita justiça nas minhas ávidas garfadas subsequentes. E a melhor parte desta refeição prende-se com a auto-evidência desta justiça, tão simples e auspiciosa. Não me vi forçado a defini-la antes de a pronunciar, como Sócrates me exigiu fazer aquando da minha educação.
Sofregamente entreguei-me ao prato, não o físico, mas o conceptual que encontrei descrito naquele bondoso menú. A conversa, igualmente boa, deu lugar por instantes longos mas em nada constrangedores, à beleza da ingestão. E assim nos quedámos, comunicando com os olhos de modo a exprimir o nosso agrado sem poder fazer uso dos lábios, cerrados. Definidos pelo prato, descorámos a sobremesa, que se revelou desnecessária. Passarei cá numa outra ocasião para a avaliar.
Numa nota final, mas de relevo posto que este reparo permeia toda a experiência gastronómica aqui detalhada, estendo cordialmente saudações repeituosas aos senhores que me serviram nesta bela e surpreendente noite. Com efeito, cuido que palavras apenas deixariam a injustiça à solta e, desse modo, convido o leitor desta breve incursão numa experiência requintada e cabal a servir-se dela precisamente, de modo a compreender a razão pela qual me vejo em falta ao recorrer somente a palavras.
Em suma (antes de me sumir), se desejar um restaurante simpático, de qualidade por mim atestada, central, acessível e acolhedor, dirija-se aqui sem dúvida. Não será uma refeição excepcional, não se sentirá deslumbrado, mas recostar-se-á na sua cadeira de madeira regozijando-se pela sua decisão, essa sim, excepcional. Recomendo, aliás, tal como recomendei.
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