“Mercados populares”
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Desde uma experiência de vida em Madrid, que sempre invejei aquela iniciativa, de migrar para dentro do sítio de revenda alimentar, a própria confecção, convivendo bem, transparecendo frescura (que não tem porque ser assim, mas transparece), acalentando um tipo de vida anterior, em que a compra de alimentos não era embalada, envolvia, escolha, diálogo com alguém quer fosse para venda, quer fosse para auxílio na escolha ou simplesmente por boa educação.
Criámos dois exemplos de algum porte (bem um deles relativamente maior do que qualquer um dos de Madrid), um que considero mais virado para o turismo, o outro mais para um público interno, e nisso facilita bastante a presença ausência de outras “polos de atracção” nas imediações, assim como a densidade da rede de transportes públicos existentes.
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Não se pode definir como amplamente inovador, como algo estrondosamente diferente do que já existe, pronto para inaugurar uma tendência ou época na restauração de Lisboa. Se calhar apresenta apenas conforto e partilha, com coisas tipicamente portuguesas, num ambiente um pouco mais contemporâneo que o normal. E para mim, chega-me. É bem mais que suficiente.
Como pão, azeitonas, manteiga da casa e um queijo, logo para começar, sendo que o queijo de facto poderia ser melhor, de produtor qualificado, de origem certificada, com algo mais para apresentar. Mas não. É apenas um início de refeição agradável, de quem vem com alguma larica, que desaparece rapidamente enquanto o diabo esfrega um olho, enquanto as bebidas ainda nem sequer chegam.
Do sector das conchas, vieram as amêijoas e os mexilhões de lábio verde, exportação da Nova Zelândia. Mais uma vez estavam só agradáveis, nada de extraordinário. Mas entre sorveres uns mais altos que os outros, uma ou outra nódoa nos peitos das peças de roupa, e uma toalha que começou a contar uma história, foram desaparecendo, todos, um a um, e nem aquela vergonha de ser o último deixou ficar qualquer coisa nas frigideiras, que já havia mais coisas na mesa para comer.
Ainda do mar, pataniscas nas versões atum e polvo. Pequenas de formato irregular, despejadas em colherada para o óleo fervente, quentes que se farta na mesa, ainda inchadas pelo calor e pelo orgulho de transportarem os nobres espécimes e não aquela coisa corriqueira do bacalhau. Comeram-se também. Todas.
Por último o picapau, mais untuoso do que expectável, com um molho não assim tão comum, mais verde e com mais verdes, de sabor relativamente neutro. Com este quem sofreu acabou por ser o balde de pão, que se esvaneceu em migalhas lá no fundo.
À sobremesa, mousse de chocolate, essa sim, digna de nota, quer na quantidade quer na qualidade, bastante acima da média, que por opção (gula mesmo) se optou em doses individuais, quando manifestamente também serve para ser partilhada.
No meio de tudo isto, esta refeição poderia passar por normal, de esquecimento, uma vez apenas.
Não é o caso. Quero voltar. Acho que fazem falta os espaços assim. Não tem de ser por se cortarem melhor os vegetais e dominar os pontos de molho a riscar os pratos, que a coisa tem mais valor. Na tradição também tem de existir algum valor, e quem prossegue essa senda, quem marcha contra corrente deve ser valorizado.
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Nem todos os mercados têm porque ser iguais, e a renovação do de Arroios, optou por uma alternativa, que é a não promiscuidade directa entre bancas, mas a paulatina transformação do redondel exterior, com acessos quer pela rua, quer pelo interior, para estes estabelecimentos.
E eles vão nascendo, e assim nasceu a Tasca do Mercado.
A sala mais escura inunda-se da luz exterior e interior do mercado, é uma faixa separadora entre dois mundos, nua e crua, de porta de acesso a um lado, de cozinha aberta no outro, sem que transpareça daí um enorme cheiro a comida. Os lugares não são demasiados e parece-me que se fossem mais o serviço teria dificuldade em compatibilizar isso, pelo que funciona no momento.
Um ponto favorável é que a garrafeira na porta do lado, também pertence ao estabelecimento em causa, podendo por isso proporcionar uma alternativa gigante para quem desse factor queira usufruir.
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Febre de mercado.
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