Há restaurantes que nos marcam ao ponto de queremos descrever ao máximo a experiência que tivemos. Queremos partilhar tudo com toda a gente, queremos mostrar o excelente que foi, queremos fazer o impossível: descrever, num texto corrido, uma experiência que tem de ser vivida. Mas depois há outros restaurantes de onde saímos a pensar que não queremos partilhar com ninguém. Porque a experiência foi tão fora de série que queremos guardá-la só para nós! Ou porque não queremos estragar a surpresa a quem se segue! Seja qual for a razão, esse tipo de restaurantes marcam-nos profundamente… e tornam estes textos complicadíssimos de escrever.
O Izcalli Antojeria foi o último desses restaurantes com o qual nos cruzámos – e não são muitos, não são mesmo muitos. E foi uma surpresa ainda maior porque já tínhamos as expectativas muito altas! Este é um mexicano completamente diferente de todos os mexicanos que conhecem, e serve comida completamente diferente daquela a que estamos habituados por cá (provavelmente o mais próximos que tivemos do que serve o Izcalli foi no Porto, no Frida – Cocina Mestiza).
Nas fotografias não vos conseguimos mostrar bem o espaço, mas na realidade até é preferível assim, porque é a primeira surpresa que vão ter. O restaurante é basicamente um pequeno balcão em forma de L, com 6 lugares (ou 8, mas muito apertados). Estamos literalmente ao balcão, enquanto a equipa da cozinha está do outro lado, separados de nós por uns 50cm de madeira. Esta proximidade torna a experiência no Izcalli no mais intimista que podem imaginar, porque não há nada no processo que não consigamos ver, não há segredos. Os dois lados do balcão fundem-se e sentimo-nos realmente em casa.
E é mesmo essa proximidade que torna a experiência ainda mais interessante. Porque de dentro do balcão não vão chegando apenas pratos extraordinários, mas também as histórias por trás desses pratos. As origens mexicanas, a cozinha do México real, pelas mãos (e histórias) de um português que foi para lá abrir um restaurante, apaixonou-se (pelo país e pela actual mulher e companheira de balcão no Izcalli) e resolveu mostrar em Lisboa que é possível servir comida mexicana com um toque de autor. E sem cair nos clichés do Tex Mex que há aí por todo o lado.
A ementa é curta, assim como as doses, por isso podemos quase pensar num conceito de degustação. Mas o melhor é mesmo ouvirem a descrição do menu e aceitarem as sugestões. O Ivo Tavares (dono do espaço e Chef residente) é apaixonado por aquilo que faz e vai explicando a origem de cada ingrediente, de cada conjugação, e como essa origem se cruza com a sua própria história. Aliás, essas histórias partilham-se, de um lado para o outro do balcão, enquanto vemos ingrediente atrás de ingrediente a ser trabalhado com mestria.
Podíamos tentar descrever todos os pratos que provámos, mas nenhuma descrição vai conseguir fazer jus aos sabores e texturas da comida do Izcalli. Há uma enorme densidade em cada prato, que se torna ainda maior por causa da história que antecede cada um. Há elementos que nos são mais familiares como o guacamole, o atum, o rabanete, os camarões ou as vieiras… mas depois há outros mais diferenciadores, que se conjugam com os primeiros na perfeição. E depois há ainda um conjunto de molhos tipicamente mexicanos que acabam por envolver tudo, criando sabores que nos fazem viajar até aos vários cantos de um país que tem muito mais do que tacos, burritos e chilli con carne.
Outra coisa que é importante destacar no Izcalli é o extremo cuidado na apresentação dos pratos, que são verdadeiras obras de arte. A louça ajuda e muito, mas depois há um esforço por dispor os elementos de forma a que nos apaixonemos pelo prato ainda antes de o saborear. Mas ao contrário de muitos restaurantes, onde a os empratamentos servem para contornar alguma falta de sabor ou mesmo de criatividade, no Izcalli a apresentação é só mais uma forma de destacar os ingredientes.
Porque mesmo com empratamentos mais elaborados, aqui estamos no registo da confort food. Sei que parece uma contradição, mas não é. Todos os pratos que provámos – que foram… todos – transmitem-nos sensações de calor interior, são pratos que nos surpreendem mas, ao mesmo tempo, nos confortam, nos fazem sentir em casa. Ou numa casa algures no meio do México, um México desconhecido e maravilhoso.
Para terminar um jantar que é uma experiência inesquecível e uma verdadeira viagem, temos ainda duas sobremesas que, de acordo com o Ivo, são inspiradas nas ruas da Cidade do México, naquilo que os miúdos comem. E, mais uma vez, somos confrontados com pratos elaborados com uma minúcia incrível mas também com uma explosão de cores e texturas. E, no caso das sobremesas, mesmo de temperaturas, porque há gelados pelo meio de coisas muito mais exóticas. É ver as fotos… e salivar.
O jantar dura quase 3 horas, mas o tempo parece nem passar. A conversa foi ficando cada vez mais interessante e próxima, porque a comida faz isso mesmo: aproxima as pessoas, independentemente das culturas ou dos contextos. No Izcalli existe essa partilha, e acredito que é impossível sair do número 13 da Rua de Alcântara sem sentirmos que, pelo menos por momentos, fomos parte daquela casa, daquela família. Bebemos um café mexicano excelente, partilhamos alguns tipos de mezcal, reforçamos os laços que criámos durante o jantar.
O Izcalli Antojeria é, sem sombra de dúvidas, um dos restaurantes mais interessantes no panorama da restauração lisboeta, que está cada vez mais saturado de fórmulas pré-definidas e repetitivas. Não é um restaurante barato, mas porque não é um mexicano para ir comer tacos. E ainda bem, porque desses já há muitos! Aqui temos uma experiência como não existem muitas, uma experiência inesquecível. É impossível ficar indiferente ao que comemos e às histórias que partilhamos, de um lado para o outro de um balcão estreito.
A reserva é obrigatória, através do site do restaurante, mas isso faz parte da experiência, tornando-a ainda mais exclusiva. Na nossa opinião, o Izcalli entra directamente para o Top 3 dos restaurantes deste ano, e vamos ver se não fica no topo do pódio. Porque para nós este jantar foi muito mais do que isso. Foi uma viagem, foi uma experiência. Daquelas que nos marcam para sempre.
An error has occurred! Please try again in a few minutes