De boas intenções está o Chimera cheio. Manuel F. Caldeira embarcou no que poderia ter sido uma descida aos infernos, e encontrou uma sopa e uma sobremesa que (quase) o levaram ao céu da boca.
Neste momento, presume-se, está o incauto leitor a pensar (eu estaria) que este é um daqueles escribas que se apoiam na proverbial e metafórica bengala das expressões populares para camuflar as suas fragilidades no que à escrita diz respeito. E o escriba responde: nem tanto ao mar, nem tanto à terra.
Foi precisamente o sabor intenso a terra a primeira coisa que se provou (e aprovou) no Chimera - uma sopa fria de beterraba, com um toque de natas, e um tártaro de pepino. Uma experiência sensorial única, que nos dá a sensação de termos comido uma pazada de substral (e gostado).
Aqui, o esquema de funcionamento é simples: de uma lista de 12 pratos (entradas, peixes, carnes, sobremesas) escolhem-se 3, 5 ou 7, por 15€, 22€ ou 28€. Foi este último menu que nos foi recomendado, para dois e, miraculosamente, foi a conta que Deus fez. Os pratos vão-se sucedendo, num ritmo correcto, que se foi tornando penoso, graças a um “grupo” que lançou o caos na cozinha - e elevou os decibéis para níveis desagradáveis na sala. Aviso: o Chimera não é um restaurante para “grupos”. É, isso sim, um laboratório de ideias. E nisto das ideias já se sabe - umas funcionam, outras nem por isso.
Comecemos por estas últimas. O espaço, igual a tantos outros, não é confortável, começando pelas cadeiras (velhas, e não vintage - parecendo que não, há uma diferença), passando pela iluminação cabaret-esca, e pelo calor constante que se fez sentir. O vinho a copo, de uma carta deliberadamente curta (a lógica é ter parceiros, e não fornecedores), vir servido da cozinha, sem passar pela casa da partida (i.e., a mesa) é, no mínimo, arriscado.
Ora, e se é verdade que quem não arrisca, não petisca, no Chimera arrisca-se e petisca-se muito, mas com a flutuação de peso de um De Niro no “Raging Bull”. Três fatias de pão velho (ou será vintage?) e uma razoável pasta de sardinha caseira não se podem apelidar de couvert. A codorniz com juliana de legumes estava mediana (e crua) e o tamboril, olvidável. Já a tal sopa fria foi um claro vencedor, tal como o veado com um delicioso puré de, lá está, substral, o crepe oriental, cozido ao vapor, recheado com pezinhos de coentrada (que tinha tanto para correr mal, mas antes pelo contrário) e uma das melhores sobremesas provadas nos últimos anos: pudim de pão, pickles de uvas e espuma de queijo da serra (a pecar apenas pelo desempenho de um dos actores no prato - demasiado pickle para tão pouco pudim). O serviço, esse, fez lembrar o De Niro no “Meet The Fockers” - simpático, mas menos, senhores, menos.
Versão Europa-América desta homérica odisseia - não restam dúvidas de que iremos ouvir falar deste Chimera (ou das pessoas que o fazem, que passaram por sítios como o Amass, do ex-chef do Noma, ou pela escola de Alain Ducasse) num futuro breve. Mas, para já, não passa de um rascunho. E como todos os esboços, pode revelar-se a obra prima do mestre - ou a prima do mestre de obras.
Nota: texto originalmente publicado na Time Out Lisboa.
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